Soltando as amarras
- Vera Purcina

- 26 de mai. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 28 de mai. de 2020

Confesso que nos últimos três meses experimentei tantas emoções que jamais havia imaginado viver em período tão curto de tempo. Da fase da surpresa, ao medo, à ansiedade e negação, à raiva, intolerância e paciência, à compaixão e tristeza, ao luto. E alguns desses sentimentos ainda persistem, fazendo-me perder o sono algumas noites. Estando em distanciamento social, tenho tido a oportunidade de acompanhar os noticiários políticos e boletins sobre a saúde do povo brasileiro através dos meios de comunicação. Também, meus contatos se aprofundaram e alargaram através das redes sociais. Tenho recebido diversas mensagens que expressam diferentes pensamentos, sentimentos...
Busquei Sartre para me ajudar a compreender os últimos acontecimentos. Ele dizia que “Estamos, todos, condenados à liberdade. Temos total liberdade para escolher e escolhemos, mesmo quando escolhemos não escolher. Somos responsáveis por tudo o que fazemos.” Exercitando minha liberdade, tenho observado com avidez o que se passa ao meu redor e no mundo. Sei que sei muito pouco, ou quase nada. Então procuro aprender, ler, conversar, ouvir a todos que posso, sempre com o intuito de fundamentar o meu agir. Acho que, por isso, sinto-me aberta às várias colocações, sem deixar, contudo, de ter meus próprios referenciais internos.
Percebo, por exemplo, que dentro de um mesmo grupo, alguns participantes têm dificuldade em aceitar as opiniões políticas diferentes das suas. Parece até que existem dois times, tão intolerantes são entre si: o time da direita e o da esquerda. Neste caso específico, procuro não me envolver e vou defendendo minhas ideias “apartidárias”. Afinal, sou da opinião de que, na prática, salvo poucas exceções, não existem partidos da esquerda e da direita no Brasil, pois, os partidos, na sua maioria, são grupos que fazem alianças entre si porque têm interesses particulares focados tão somente em manter a governabilidade e o seu projeto de poder. Sartre dizia que direita e esquerda são duas caixas vazias, ou seja, nenhuma das duas teria valor heurístico. E, penso, ele tem razão, sendo de centro a maioria dos partidos no Brasil, os quais, não raras vezes, apresentam ideologias bem confusas.
Porém, eles são o espelho da sociedade o qual reflete uma mistura de opiniões, na sua grande maioria, com pouco conhecimento da história do país, em farmacologia e em diversos outros aspectos. E as pessoas não demonstram o menor interesse em refletir sobre isso ou se aprofundar nos assuntos, ocasionando, desta forma, um solo propício para o cultivo e aumento das fake news. O resultado desta conjuntura é o grande desperdício de potencialidades e uma perversa manipulação da boa vontade de grande parcela do povo. Povo do qual faço parte e que admiro por sua alegria, disposição e solidariedade; povo bem visto no mundo todo, localizado em um belo pedaço de terra, com matas, água, e riquezas naturais das mais variadas espécies. Por outro lado, um povo sofrido, com poucas oportunidades no mercado de trabalho, com a cobrança de altas taxas públicas e pouco retorno a contento e que, muitas vezes, precisa “tirar leite das pedras” para sobreviver.
Quero entender o que estão “expressando”, pergunto-me sobre os seus posicionamentos (que não deixam de serem escolhas) dentro do contexto atual. Será que o povo gosta de reclamar? Porque reclama tanto e para que esta repetição de mesmas notícias, todos os dias, várias vezes ao dia? Se o ato de reclamar dificilmente resolve qualquer situação... Por outro lado, será que as pessoas imaginam que, mostrando repetidamente o mesmo fato, estão realizando denúncias? A mim, contudo, parece mais é que estão a exaltar aquilo que as submete, colocando em evidência os movimentos, por exemplo, da corrupção dentro do poder público do país, o qual prejudica toda a sociedade e que merecem ser tratados com parcimônia, limitados, reprimidos. Ao mesmo tempo, o povo faz piadas com fatos seríssimos. Pergunto: - Ao brincar, será que ameniza a situação e vai procrastinando uma tomada de atitude? Assim como, também será para acalmar os ânimos, o aumento, cada vez maior, das mensagens de cunho religioso e esotérico? Prega-se que, quem se nutre de fé se sentirá acima do bem e do mal, como se fosse um espírito mais evoluído, abnegado, paciente, equilibrado... Bom, pode até ser, mas o grande prejuízo neste caso é que, levado a extremos, pode paralisar a pessoa, porque ela ficará esperando o milagre divino para resolver toda a situação. Isso, de certa forma, é transferência de responsabilidade, não é?
Às vezes, tenho a impressão de que o povo nega o fardo político, social e econômico que está carregando, o qual só se torna mais evidente, quando alguém enlouquece e se permite gritar e espernear. Geralmente, esta pessoa acaba precisando ser contida e calada, de alguma forma. Pergunto: -Se a situação está ruim, para que negar, procrastinar ou se posicionar como eco e propulsionador da manutenção do que está posto? Talvez o sentido para esta questão esteja em Nietzsche: “Viver é sofrer e sobreviver é encontrar um significado no sofrimento”. Ou seja, o destino do homem (do povo) é sofrer, sofrer e sofrer? Será que já está tão doente que a dor lhe parece natural? Acostumou-se com ela? Ou será que a dor do povo é mantida para beneficiar interesses particulares? Que lucro poderia se obter com o sofrimento do povo?
Complexa esta reflexão, pois uma linha de pensamento puxa outra e outras várias. Enquanto, porém, esta reflexão parece interminável, pode-se constatar, concretamente, no dia a dia, que as escolhas atuais do povo, citadas aqui, não tem se mostrado efetivas. Além da falta de subsídios históricos, pessoais e sociais para embasarem o seu comportamento, os mesmos são repetitivos e, por que não dizer, muito cansativos. O que se precisa, urgentemente, é uma mudança de paradigma, uma nova consciência de mundo. Uma compreensão diferente do homem e do homem com a natureza.
É isso o que acredito!
Quando se presta atenção somente nas faltas, esquece-se de focar no que já se tem. Pergunto: - O que se tem? - Cada um tem a si próprio... – E além de si mesmo, será que se tem um ao outro?
É aqui que dou início ao estágio da imaginação. A imaginação de que podemos contar com o outro sim, a partir do momento que tivermos objetivos em comum. E vou devaneando que o povo começará a se responsabilizar por sua vida e por seu pedaço de terra (nação), saindo das situações difíceis através de trabalhos em grupos dentro da sua comunidade. Imagino os representantes dos grupos fornecendo informações verdadeiras e esclarecedoras para toda a comunidade, sobre a situação da sua saúde, sua educação, sobre a economia e sobre todos os aspectos de sua vida, para que todos se percebam e se localizem, sem alienação. Consequentemente, as questões públicas e privadas vão sendo solucionadas, gradativamente. Assim, através do trabalho conjunto e consciente, imagino emergir do próprio povo as soluções para as situações de sua vida. De um povo autônomo, dono de si, que deixe no passado, sua baixa autoestima herdada culturalmente dos primórdios do descobrimento do Brasil e transmitida de geração em geração até os dias de hoje. Um povo que busque um futuro melhor, onde as regras não serão ditadas pelo capital (o qual gera tanta corrupção, miséria e fome). Por que compreenderá, enfim, que o desenvolvimento (e riqueza) é sinônimo de bem estar no aqui e agora; que o êxito será obtido através do equilíbrio entre as suas potencialidades internas e relacionais com todas as demais forças da natureza.
É bom pensar sobre a vida. Aumenta a compreensão e permite soltar as amarras da imaginação. Aquilo que se imagina são, no fundo, desejos que podem se tornar o âmago do caminhar!
Vera Purcina




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