O Choro e a Birra Infantil
- Vera Purcina
- 22 de mai. de 2020
- 6 min de leitura
Atualizado: 29 de mai. de 2020

No dia a dia do relacionamento familiar, os pais vivenciam muitas situações de insegurança. Sentem dificuldade em compreender as reais necessidades dos filhos e quais são as atitudes que devem tomar para protegê-los, acalmá-los ou contê-los.
A primeira coisa que se deve ter em mente, no tocante à educação, é que não existem “receitas prontas” a serem aplicadas para todas as pessoas. Cada criança é única nas suas características e, por isso, cada relacionamento interpessoal também é único. Então, para saber como proceder com ela é muito importante “aprender a ouvir” a criança em todas as suas formas de se expressar, seja através de choro, de sorriso, balbucio, gestos, sensações corporais ou através de sua fala verbal.
É somente através dessa compreensão das idiossincrasias de seu filho, que os pais agirão com maior segurança.
Quando o bebê nasce, vai precisar dos cuidados dos adultos para sobreviver. A mãe, por ter gerado o filho durante meses, já possui, com ele, uma grande intimidade tanto no nível consciente como inconsciente. Podemos dizer que é ela quem está mais apta a compreendê-lo e auxiliá-lo pós- nascimento, mas a participação do pai nesta relação é essencial, pois, desde o início da vida e durante todo o crescimento do filho, é ele quem vai complementar o vínculo familiar através das suas percepções, da sua presença, completando na formação da identidade do filho enquanto sujeito individual e autônomo. Geralmente, são os pais os primeiros “tradutores e intérpretes” do bebê.
Portanto, uma importante função parental é a de ir decodificando os choros e comportamentos do seu filho e, mais tarde, ir explicando para o pequeno, os seus próprios sentimentos, desejos e necessidades. O bebê não sabe nomear o que está sentindo. Ele apenas sente e exterioriza, da forma que pode e de acordo com sua maturidade física e psíquica. É, pois, gradualmente e com o auxílio do adulto, que vai aprendendo a se perceber e a nomear seus sentimentos. Até alcançar a capacidade de verbalizar, adequadamente, sobre seu mundo interior.
O choro é a forma de comunicação e a linguagem básica do bebê, que ainda não sabe se comunicar de outro modo. O choro descarrega as tensões, evidenciando um incômodo, uma emoção ou um sentimento.
Nos primeiros meses de vida, o choro é, basicamente, um comportamento dirigido, ou seja, a criança chora quando está com alguma sensação de desprazer: seja de fome, frio ou alguma dor. A solidão e a falta de calor humano também causam desprazer e a criança costuma chorar frente esses sentimentos. Se, durante esse período, os pais mantê-lo limpinho, seco, vestido com roupas confortáveis e adequadas ao clima, oferecer o colo e o leite saciando sua fome, esquentar a sua barriguinha nos momentos de cólica (comum, devido contrações musculares abdominais), dificilmente terão um bebê chorão em casa.
Por outro lado, se tomando todos esses cuidados, o choro persistir, os pais devem procurar o pediatra para uma melhor investigação da saúde do filho.
Já no segundo semestre de vida, a criança começa a chorar não só por incômodo, mas também com o objetivo de conseguir algo. Este sim pode ser considerado o choro voluntário e intencional que, dependendo das atitudes dos pais nesta fase, poderá ou não, mais tarde, ocasionar a famosa birra (ou mãnha), por volta do segundo ano de vida. Durante esta fase, a perspicácia dos pais é imprescindível para distinguir as necessidades da criança e ir nomeando isto para ela. Podemos exemplificar com algumas frases abaixo:
- Penso que você está chorando porque está sentindo fome. Venha comer “algo”.
– Parece que você está chorando porque está sentindo medo. Estamos juntos e nada vai acontecer conosco.
–Você está com vontade de fazer xixi, não é mesmo? Vá ao banheiro...
– Acho que este choro é porque você quer continuar brincando. Deve estar muito bom, mas precisamos ir embora agora. Amanhã, poderá brincar mais.
E poderíamos continuar a enumerar aqui inúmeras situações, cujo objetivo seria o mesmo: evidenciar o ensinamento da linguagem dos sentimentos para a criança e a possibilidade de encontrar caminhos para lidar bem com eles.
Os pais devem ser firmes e oferecerem segurança para seus filhos, cotidianamente. Um bom conjunto de normas vai embasar as suas atitudes, ou seja, a existência de uma “disciplina” dentro de casa, com regras claras que todos os familiares deverão seguir. Desta rotina é que vai se extrair os limites, “aquilo que pode” e “aquilo que não pode” de cada grupo familiar, os quais originarão os famosos “hábitos de casa que se leva à praça”, ou, em outras palavras, os “bons ou maus modos” que uma criança possui.
É lógico que estas regras não precisam ser rígidas, ou seja, elas poderão ser alteradas sempre que se mostre uma maior adequação ao momento.
Mais tarde, aos dois anos de idade, a criança já apresenta maiores condições de locomoção, realizando, consequentemente, maiores proezas no seu ambiente. Nesta fase, sem noção de perigo ainda, algumas de suas vontades podem se mostrar inapropriadas ou danosas para ela mesma. Por exemplo: brincar com faca, escolher um brinquedo muito caro, sair à rua sozinha. E nessas situações os pais não devem ser condescendentes.
Muitas vezes, o resultado diante da negativa dos pais, será aquele choro alto, às vezes medonho, que será ouvido do outro lado da rua deixando os pais até envergonhados. Porém, quando os pais já deram início à educação dos limites desde cedo, seu filho aceitará o não com mais facilidade.
Este choro frente o não dos pais, durante esta idade, revela o sentimento de frustração da criança, revela seu sofrimento ao perceber que ela não consegue tudo o que deseja, que ela não é o centro do mundo, que nem tudo acontece de acordo com sua vontade.
Aqui, não adianta os pais se desesperarem mais do que a criança, perdendo a calma, agindo através de gritos ou safanões. A solução simples e prática é não ceder frente ao choro da criança, compreendendo seu dolorido sentimento de frustração.
Sem tratá-la com pena ou culpa, devem lhe ensinar a lidar com aquela dificuldade, oferecer-lhe alternativas de ação, sugerindo outras atividades (de preferência, algo que ela goste) e ajudá-la a escolher. Significa que, algumas coisas não podem, não servem, não devem, mas outras, podem, servem e, são estas que devemos escolher.
Outra solução que oferece bons resultados é apenas “distrair” a criança, tirando sua atenção daquela situação perigosa e ir mostrando outras situações interessantes.
Os aspectos mais importantes das atitudes dos pais são a sua firmeza e a sua consistência. Ser consistente significa manter a mesma atitude todas as vezes que a criança trouxer determinada situação. Então, por exemplo, se, hoje, a criança não pode comer doces antes do almoço, amanhã, salvo exceções, essa atitude deverá ser mantida, mesmo se a criança insistir.
Com firmeza e atitudes consistentes, em pouco tempo a criança deixará de pedir aquilo que ela percebe que os pais não consentirão (porque estão cuidando dela e que aquilo poderá lhe prejudicar de alguma forma).
Assim, no decurso do seu desenvolvimento físico, psíquico e emocional, a criança vai, de forma repetitiva, aprendendo a lidar com a frustração, ao mesmo tempo, que vai ganhando segurança, pois, devido à firmeza e a consistência dos pais, se percebe em um mundo previsível e estável.
Por outro lado, quando as atitudes dos pais são inconsistentes, a criança se sentirá insegura e ficará mais teimosa, pois, sua teimosia nada mais é do que a sua necessidade de verificar a “estabilidade do mundo”.
Se, um dia, o adulto ceder e no outro, não, a criança ficará confusa sobre o que é certo e o que é errado, o que realmente pode e o que não pode e fará tudo para compreender melhor. Em outras palavras, a birra se instalará, causando muitos aborrecimentos e situações vexatórias para os pais. E o que é pior, junto com a birra, a criança ficará sem saber o que deve fazer, ficará insegura e angustiada, sem aprender a lidar com a frustração frente os nãos.
Em suma, a criança aprenderá a lidar melhor com o sentimento de frustração quanto mais sentir a segurança que emanar através da firmeza das atitudes de seus pais. Frente o não, ela se sentirá amparada e amada e, nesse caso, não existirá lugar para a birra ou para a teimosia se instalar.
É o sentimento de proteção, de segurança e a estabilidade das relações afetivas, que geram crianças confiantes e tranquilas. Crianças estas, que se tornarão futuramente adultos sensatos, aptos a lidar com situações positivas e negativas da vida sem se desestruturarem. Serão aquelas pessoas que não precisam testar o outro, ou fazerem “cenas”, ou usarem de artimanhas e convencimento, nem emburrarem, nem serem birrentas para conseguirem o que desejam. Aquelas pessoas bem quistas, que sabem se respeitar e ao outro e que a gente quer sempre ter do nosso lado.
Vera Purcina
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